UMA ORAÇÃO DE NATAL.
“Mas
tu, Belém-Efrata, tão pequena entre os clãs de Judá, é de ti que sairá para mim
aquele que é chamado a governar Israel. Suas origens remontam os tempos
antigos, os dias do longínquo passado. Por isso, Deus os deixará, até o tempo
em que der à luz aquela que há de dar à luz. Então o resto de seus irmãos
voltará para junto dos filhos de Israel. Ele se levantará para os apascentar,
com o poder do Senhor, com a majestade do nome do Senhor, seu Deus.” Miquéias
5, 1-3.
Pai, tu que reinas absoluto em teu universo
sem fim, tu que detém todos os poderes existentes, tu que és o “porque” de
todos os “por quês”, conceda-me a honra e a sabedoria de elevar-lhe esta prece
em tua homenagem e em meu favor.
Pai.
Tu que sendo carne, pensamento e verbo só
poderia se manifestar de modo pessoal e intransferível a cada um de seus filhos,
numa aula particular que começa com Abraão, o primeiro aluno, e dura milhares
de anos. O universo não é ti, o universo está em teu bolso, pois de outro modo
não se sustentaria em meio ao seu próprio caos.
Tu que profetizara quase mil anos antes a
vinda de teu Filho, cumprindo gloriosa e majestosa preconização na figura de um
homem simples, de uma família simples e de uma história simples para que ninguém
possa apelar para a ignorância no fatídico dia do juízo que há de vir a todos.
Tu que glorificaste a feminilidade em meio
a uma terra rude e cruel numa pequena camponesa, que conhecemos todos nas
nossas lembranças maternas. Sendo que, se tu a chamou de mãe, eu não tenho dignidade
de chamá-la de mulher, mas, apenas e ousadamente, de Senhora.
Tu que institucionalizara em Pedro tua mão
terrena, feita de barro, santa e profanada; que luta e marca a hora no relógio
de sua torre, inclusive para aqueles que fazem questão de andar fora do
horário.
Tu que discretamente orienta os
mantenedores da tradição contra aqueles que querem construir um castelo de
sombras no ar para ser habitado por zumbis emancipados da real liberdade.
Tu que caprichosamente só concede o entendimento
do alto e do exterior para aqueles que interiormente se diminuem. Senhor, só Tu
és capaz de aplicar a justiça e retirar esse mesmo entendimento se uma vez essa
regra é quebrada, sendo também, capaz de misericordiosamente retomar Teu santo
entendimento uma vez restabelecida a regra de ouro.
Tu que organizaste o campo de batalha e
planta dúvidas nos corações crentes e suspeitas nos corações não-crentes para
que todos possam desejar o ar enquanto temos a honra de permanecer no campo de
luta.
Tu que tudo isso pode, fizeste e criaste;
não permita que eu abra minha boca para difamar o que desconheço, nem que zombe
sobre o que ignoro e nem que filosofe sobre o que nunca estudarei honesta e
corretamente, por não abrir todo o meu coração para compreender; como fazem Vossos
inimigos, ou, melhor dizendo, os instrumentos humanos de Vosso Inimigo.
Senhor amarre-me bem longe dos que
acreditam ser inteligentes demais para crer, dos que estão enfeitiçados pela
vaidade intelectual, dos que terrestrializaram o pensamento, dos que lhe vêem
apenas como doutrina seca, dos que não fazem exame de consciência por medo da
sinceridade, de todos os fanáticos e de todos os inconsequentes.
Senhor indique-me a cada momento o caminho
de minha autoconsciência, me leve ao alto; pois no fundo do vale da ignorância está
os que ignorando tudo, ignoram o todo que não sabem, sendo que por isso mesmo
acreditam tudo conhecer. Por piedade Senhor, não permita que eu me junte a eles,
não permita que eu creia em tudo, por medo de crer em Vós.
Senhor retira-me da festa das maldades e lançai-me
na masmorra das beatitudes, porque, por mais que a sabedoria tomista eleve meu
pensamento e meu coração aos portões do céu, nesta vida jamais poderei
renunciar ao auxílio do agostinianismo e suas sábias e indulgentes chicotadas.
Senhor, que eu não seja ressentido, que eu
não seja alienado e que eu não fuja. Nem em nome de Nietzsche, nem em nome de
Marx e nem em nome de Freud. Nem aqui e nem além.
Senhor, daí a sua misericórdia e encurte a
estadia aos que padecem no purgatório, estendei a mão aos meus e me desviai de
tal lugar.
Senhor, dai-me o poderoso senso das
proporções. Tire de mim o fascínio dos objetos, mas que em minha consciência eu
seja digno de vislumbrar o imanente e o transcendente. Que minha vaidade não me
jogue no tenebroso mar das problematizações infinitas e diabólicas, mas que eu
creia, creia na pessoa do seu divino Filho. Jesus.
Que seja feita a justiça e que Vossa espada
misericordiosa sangre meu peito injusto, que suas mãos benevolentes joguem meu
corpo pecador na fogueira da redenção, e que, esta consuma em sagradas chamas
toda a minha vaidade. Que Vosso chicote caridoso açoite a minha ignorância e
que Vossos pés benditos pisoteiem meu rosto contra o chão duro da realidade.
Por piedade Senhor, pela mais excelsa das piedades peço-Vos que seja implacável
na aplicação da justiça, peço-Vos que não desista de açoitar minha carne até
que o regato de meu espírito encontre o oceano de tua glória.
Que seja feita a justiça e que eu não seja
vítima nem da condenação e nem do crime que não cometi.
Que seja feita a justiça e que o Senhor
cuspa a tua verdade em meu rosto, humilha-me publicamente com tua bondade,
tortura-me com tua sabedoria até eu confessar que te amo por toda a eternidade.
Que seja feita a justiça e que se eu sofrer,
adoecer, for injustiçado, me tornar escabelo aos pés dos meus inimigos ou for
mal-compreendido, que toda glória seja para ti Senhor. Porque eu aposto minha
vida que a alma é imortal.
Quatro mil e quatro anos teu povo esperou
por uma estrela na noite, mais quatro mil e quatro anos poderemos ter de
esperar pela manhã gloriosa.
Bem sei que Tu não precisas de louvores nem
de adoração, mas bem sei, como entenderam os reis magos, que se eu não te
louvar e glorificar serei esmagado pela minha mediocridade, pois só te louvando
não sou um ignorante, só te bendizendo não sou um escravo e só te adorando não
sou um verme.
Por fim, peço-lhe Senhor que me conceda a
certeza de Jô, quando este corria sem olhar para trás de um mundo em decadência
e o ímpeto de Jacó, quando este se atracava em violenta pancadaria contra um
anjo do Senhor, na esperança de receber deste a Vossa santa benção. Conceda-me
a insistência para compreender que minha capacidade e minha responsabilidade neste
mundo se limitam, sempre e apenas, ao próximo passo que posso dar e que o
caminho total, como qualquer destino, eu tenho apenas a graça de vislumbrar,
sonhar e intuir, mas nunca de decidir e de determinar, e se uma vez assim faço,
quebro Vossa regra de ouro e me torno um porco imundo mastigando pérolas, que
no apogeu de seu desequilíbrio afetivo não se questiona e logo não se
compreende, e que mesmo assim, vive a postar belos nada pelo mundo afora no
iludido afã de redenção existencial por um amontoado de migalhas curtidas no
vazio. Pois, quem não tem fé que atire a primeira hipótese, quem não crê em Ti
que atire a primeira coincidência e quem não crê no poder benéfico da religião,
que construa uma civilização.
Que a estrela do Oriente brilhe
em todos os corações, Amém.
“Tendo,
pois, Jesus nascido em Belém de Judá, no tempo do rei Herodes, eis que reis
magos vieram do Oriente a Jerusalém. Perguntaram eles: onde está o rei dos judeus
que acaba de nascer? Vimos a sua estrela no Oriente e viemos adorá-lo.” Mateus
2,1-2.
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